A casa está toda iluminada pela paz.
Do piano brotam "Cachoeiras da Serra Op 13, nº 4", de Luiz Costa, tocadas por ti.
Ah, se tu soubesses como o céu beija a terra quando tocas piano!
Lembro-me de ti, tão pequenino, a tocares, mesmo ainda antes de entrares para a escola, com camisa e laçarote, nas audições do Conservatório. Eras tão gracioso! Olhava para ti com o mesmo enleio com que olho hoje, apesar de, agora, já não usares laçarote.
Como cresceste! Não obstante, quando tocas, vejo sempre aquele meu menino pequenino que mal chegava ao piano e que, com as mãozitas, acariciava o teclado, do qual fluíam melodias executadas por querubins.
O mesmo menino que, todas as noites, quando transmitiam na televisão "O Patinho - Todos os Patinhos", saltava para o meu colo, para juntos ouvirmos : "Todos os patinhos acabam de brincar,/ acabam de brincar,/os pijamas vão vestir e os dentes vão lavar/ os pijamas vão vestir e os dentes vão lavar,/ É que a esta hora, é a hora de ir dormir,/é a hora de ir dormir,/ mas ainda há tempo para uma história ouvir,/ mas ainda há tempo para uma história ouvir,/pais, mães ou avós à cama lhes vão dar, /à cama lhes vão dar/um beijo de boa noite e a luz apagar./ um beijo de boa noite e a luz apagar."
Depois, o papá ia à tua cama e contava-te uma história. E tu ficavas embevecido com a "A Menina do Mar" e "O Rapaz de Bronze". E eu sentia o sorriso feliz da Sophia, escutando, também ela deliciada, as histórias.
Lembro-me como também te regalavas com a "A Trança de Oiro e os Três ursinhos" que eu te contava, e que embalavam o teu sono.
Eu e o papá temos muito, muito, muito orgulho em ti. Continuas a ser o nosso menino pequenino, a par do nosso outro menino pequenino: o teu irmão. Sentimos o nosso coração aconchegado por um manto de luz divina por seres um aluno dedicado aos estudos, teres uma boa formação moral, um coração do tamanho do mundo, um sentido de humor inteligente e teres sabido encontrar o teu caminho.
Sabemos que, muito em breve, irás para a Universidade e que não mais te teremos aqui todos os dias. Vamos sentir tanto a tua falta! E o teu irmão também. (Se visses a tola da tua Mamã a chorar agora... Se soubesses como ela chora de cada vez que se lembra que isso está na iminência de acontecer...)
Ganharás as tuas asas, constituírás família. Mas tu e os teus terão sempre aqui um ninho, um porto-de-abrigo, com as estrelinhas esvoaçantes, multicolores e perfumadas, que aqui semeaste.
Do piano desprender-se-ão "Cachoeiras da Serra", mesmo na tua ausência, e serás sempre uma réstia de sol no nosso entardecer.