Eternamente
- Mamã, o que é a imortalidade da lembrança?
- Meu filho, pensa em todo um conjunto de pessoas, de lugares e de acontecimentos que, atravessando o tempo, se perpetuam na nossa memória. Emoções que se eternizam em nós. Rastos cintilantes que perfumam a nossa alma, ou nuvens negras e densas que a fulminam. Nesse conjunto, encontrarás pessoas que fizeram grandes legados à Humanidade: pessoas que foram capazes de criações artísticas geniais, como Beethoven, que deram à ciência contributos de grande vulto, como Einstein, que lutaram aguerridamente pelos direitos cívicos e políticos das minorias desfavorecidas, como Nelson Mandela, que cuidaram dos doentes e dos sem-abrigo com amor incondicional, como Madre Teresa de Calcutá. Mas nesse conjunto, encontrarás igualmente pessoas que se cristalizaram na nossa memória por terem cometido inacreditáveis monstruosidades, como Bin Laden ou Adolf Hitler. Também a nossa lembrança é acariciada por brisas celestiais mágicas, que encerram em si instantes e lugares: o som da palavra “mamã”, que o nosso bebé pronuncia pela primeira vez, no exacto momento em que, olhando-nos nos olhos, vê o mundo através deles e para além deles, o sorriso com que, no jardim da nossa infância, a avó nos senta no colo e nos acaricia a alma, o abraço do tamanho do mundo com que um amigo nos agasalha o coração instantes antes de entrarmos para o bloco operatório, a audição de “O Coro dos Escravos Hebreus” (3º acto do “Nabucco”, de Verdi), no “Teatro Alla Scala”, em Milão, o beijo que um pequeno anjo com a pele da cor do ébano e a alma branca, nos dá na mão, na cidade do Mindelo, depois de lhe termos dado uma nota de 1.000 escudos cabo-verdianos, o pôr-do-sol em Mombasa, as acácias rubras nas avenidas do Maputo, o perfume das frésias no quintal da nossa meninice. Porém, na nossa lembrança, também estão gravados instantes e lugares que para aí foram arrastados pela lava de vulcões em erupção, em congregação de esforços com ventos ciclónicos: o semblante pesado do oncologista na hora em que nos comunicou que o carcinoma da nossa irmã estava irremediavelmente metastizado, o olhar de tresloucada perdição da mãe no momento em que lhe comunicaram a morte do filho, o dia em que o nosso marido recebeu alta do Hospital para, juntos, reaprendermos a viver, depois de ele ter sofrido a amputação das duas pernas, o olhar vago com que o condenado à cadeira eléctrica se despede dos filhos no corredor da morte, a visão dos fornos crematórios nos antigos campos de extermínio nazis, a queda das Twin Towers e os saltos para a morte das pessoas que se encontravam nos pisos superiores, o desastre nuclear de Chernobyl e o cortejo de dramas arrastado pela libertação da nuvem radioactiva, o sismo com a magnitude de 9 na Escala de Richter, no Japão, o tsunami que se lhe seguiu, com ondas a atingir os 23 metros de altura, a ameaça nuclear na central de Fukushima Daichii. Todos estes momentos únicos - maravilhosos ou trágicos, marcaram um dia, a nossa alma a ferro e fogo, fazendo com que a sua lembrança não mais nos abandonasse e passasse, irreversivelmente, a fazer parte de nós.
Fui clara, meu filho?
- Sim, mamã. Gosto muito, muito, muito de ti. Tu és a imortalidade da minha lembrança.
- Meu filho, as tuas palavras permanecerão em mim para todo o sempre. Também te amo muito, muito, muito! Eternamente.
De todas as personalidades que citou (boas e más), acontecimentos (bons e maus), poderíamos citar muitos mais.
ResponderEliminarMas tenho uma certeza: muito poucos o fariam com a mestria com que a Isabel M. o fez. Por estranho que pareça, o seu texto relembrou-me
um livro: "Carta ao Pai de Kafka". Eu sei,que aqui é uma mãe ao filho. Mas há afectos que são eternos. "...Tu és a imortalidade da minha lembrança."
Isto, mesmo para um "escrevinhador"...é que é a escrita. Não, não é elogio; nem a Isabel M. precisa deles e muito menos dos meus.
Abraço
Mi querida Isabel María: Es una bella y sabia lección de una madre a su hijo porquelas lecciones se deben de dar con amor.
ResponderEliminarEs verdad que en nuestra memoria se acumulan muchos recuerdos e informaciones y todas nos sirven. Unas para aprender de los errores ajenos y otros para acariciarlos como un gran tesoro.
Te repito, Isabel María, es una bellísima conversacion entre madre e hijo.
Brisas e beijos.
Malena
Olá, Álvaro!
ResponderEliminarLembro-me de "Brief An Den Vater", o título original, de Franz Kafka, embora eu não tenha lido a versão em alemão. Só que em alemão, soa melhor. LOL! Felizmente no que "escrevinhei" (plagiando o Álvaro), não existe uma figura parental difícil como o pai de Kafka, nem uma relação complexa como a que existia entre Kafka e o pai.
Penso que o que ressalta do que deixei escrito, é que nada é mais bonito e puro do que o amor de mãe.
Quero sublinhar que a expressão "a imortalidade da lembrança" não é da minha autoria.
E permita-me que lhe diga, Álvaro, que todos nós precisamos, sim, dos elogios uns dos outros, desde que não soem a falsos ou a fáceis.
Insisto que aquilo que o Álvaro escreve (não leia "escrevinha") são textos.
Um abraço.
Mi querida Malena:
ResponderEliminarSiempre me gusta tener tu visita. Tus palavras son una caricia para mi alma. Muchas gracias. Estamos en sintonia.
Besos e abrazos.
Isabel
ResponderEliminarQue lindo texto
enquanto lia, lembrei-me de outras palavras... as do meu filho!
quando saímos da minha ilha, era ele muito pequeno (tinha perto de 4 anos). Estava tão apegado à família, principalmente à avó, minha mãe...
Durante um longo tempo acordava de noite em profundo pranto e desgosto, com um olhar vago que me deixava apreensiva.
Eu abraçava-o e cantava baixinho até o acalmar...
perguntava-lhe: - então filho, que foi? conta-me o que te deixa assim triste?
Durante muito tempo não me respondeu... até que um dia, de lágrimas a escorrerem pela face diz-me:
- mãe, o meu coração sente a nossa família...
Nunca esqueci esta frase que me tocou na alma. Era tão pequeno, o meu filho, e soube dizer em poucas palavras o que era a saudade... a lembrança que jamais morreria dentro de si.
Era rara a noite em que esta cena não acontecia, eu já ia para a cama com alguma ansiedade. Depois que ele foi capaz de transformar em palavras, tudo ficou mais fácil... eu passei a sussurar no seu ouvido uma canção que a minha mãe lhe cantava para o embalar desde pequeno. isto fez-me bem a mim e a ele... Terapia conjunta.
Não pude deixar de partilhar isto consigo depois de ler tão belo texto e de chorar tb eu com esta lembrança e todas as outras que descreveu... Muito bom, neste tempo de guerra tão premente...
Um beijo muito grande
Querida CF:
ResponderEliminarObrigada por ter partilhado comigo umas das mais bonitas definições de sauadde: a do seu filhote. Comovente! É um momento que vou guardar no meu coração, porque me tocou profundamente. Certamente que ele foi tocado pela divindade para proferir essas palavras que são a imortalidade da sua lembrança de Mamã.
Um beijo e um abraço muito forte.
Querida Isabel
ResponderEliminarHaverá, por certo, muitos outros factos e personalidades que ficaram(ão) para a posteridade pelos mais diversos motivos.
Mas aqui recordas, num texto perfeito, uma grande parte deles.
Para qualquer mãe uma lembrança "imortal" será o nascimento de um filho...
E o amor do filho que fez a pergunta é também, sem dúvida, a imortalidade da lembrança.
Adorei este texto.
(Passei dois anos adoráveis no Mindelo)
Noite feliz e boa semana.
Beijinhos
Muito belo o teu texto.
ResponderEliminarEu não tenho filhos, mas deve ser muito boa a sensação de criar vida e depois ensinar o que sabemos a eles.
Uma linda semana e obrigada pela visita em meu blog.bjs
Querida Mariazita:
ResponderEliminarO amor de mãe e o amor de filho são certamente as melhores constelações da imortalidade da lembrança.
Obrigada pela tua presença constante.
Um abraço do tamanho de África.
Olá, Parole!
ResponderEliminarMesmo não tendo filhos, terá certamente momentos mágicos na imortalidade da sua lembrança. Aqueles momentos únicos, que a acompanham sempre como um rasto de luz.
Um grande abraço.
Linda lição de Amor...
ResponderEliminarUm beijo e o meu deserto
DESERTO
Vou caminhando pelo deserto
Ando e ando e é só areia...
Areia, areia e nada mais...
Estou cansada...
Os meu lábios estão secos...
Muito secos...
E eu no meio do deserto...
Só te queria ter...
Para beijares os meus lábios...
E me tirar a sede...
E espero-te para acalmar...
A minha ânsia....
A minha sede...
E o meu desejo...
Desejo louco de te ter...
De te poder tocar...
E finalmente ser feliz...
LILI LARANJO
Isabel
ResponderEliminarVir aqui fazer uma boa leitura já se tornou um hábito, um hábito muito bom.
Este texto representa uma grande viagem à nossa memória colectiva e pareceu-me ver algumas lembranças de vivências mais particulares. Representa também, para mim, uma chamada de atenção em relação ao que de bom e de mau nos tem acontecido (delineou-o no tempo) e documentou-o com personalidades que nos afagam a alma e outros que representaram um desastre para a Humanidade e que todos nós "conhecemos". Não esqueceu também os últimos acontecimentos, nomeadamente, a situação no Japão onde homens anónimos arriscam a própria vida para o bem de todos nós.
E tudo isto numa escrita limpa, extremamente perceptível, sem artifícios, denotando uma cultura imensa em vários âmbitos. Já sabe que não me canso de a elogiar e tenho muito prazer nisso e merece-o.
Beijos
Olinda
Um texto tocante a resgatar Cultura e História e eternizar o momento em que a mãe cumpre o sublime papel de alimentar a alma do seu filho. Feliz é a criança que, além de amor, pode receber de sua mãe a bênção de tal resposta. Lindo, Isabel!
ResponderEliminarBjs, querida. Uma boa semana. Inté!
Olá, Lili!
ResponderEliminarObrigada. Deixei um comentário ao teu poema, no teu blog.
Beijo.
Olinda querida:
ResponderEliminarTomo as suas palavras como um estímulo para que faça sempre mais e melhor. Bem haja.
É muito bom vê-la aqui e conversar consigo. Volte sempre.
Um beijo.
Querida Ju:
ResponderEliminarOs filhos fazem-nos felizes. Somos felizes quando eles o são. Só é pena não termos mais tempo para eles. Todo o tempo do mundo para eles.
Obrigada por vir conversar comigo.
Um beijinho e boa semana.
Fico quase sem palavra perante um texto tão bonito e rico de conteúdo, além do mais toca-me profundamente pois também eu há muitos anos tive conversas equivalentes com o meu filhote, então com oito anos, altura em que a minha mãe (avó preferida) desapareceu das nossas vidas...consegui que ele lembre os momentos bons.
ResponderEliminarObrigada pela mestria dos seus textos.
Beijinhos
Mi querida Isabel María: Pasaba por aquí a darte las gracias por tu cariñoso comentario y decirte que me encanta recibir tus visitas. ¡Ah! Tu español es estupendo. ¡Ojalá pudiera hacer yo lo mismo con el portugués!
ResponderEliminarBrisas e beijos.
Malena
Maravilhosos texto para nos mostrar que o nosso passado, as nossas vivências, os nossos momentos fazem parte do nosso presente; algumas coisas nos marcam pela negativa e fazemos questão de não mexer muito nelas para que não venham inquietar-nos; outras, porém, trazemo-las frequentemente para o nosso dia a dia e as lembramos com muito carinho. Coisas simples e bonitas nos disseram os nossos filhos..perguntas feitas com aquela inocência própria da meninice deles; parecem coisas sem importância, mas para uma mãe, são as frases mais sábias que ouvimos e jamais esqueceremos; tenho muitas guardadas e que agora já conto ao meu netinho; quando ele diz ou faz qualquer coisa, eu digo: " sabes que o teu pai também dizia isso...também gostava de cantar...; sabes que ele tem uma pastinha com os desenhos que fazia para mim, igual à que a avó fez para gurdar os teus?..". E assim, Isabel, as lembranças das pequenas coisas que guardo dos meus filhos transmito aos netos e eles ficam tão felizes ao verem que já são capazes de fazer as coisas que o seu papá faziam. É uma delícia! delicioso é também vir aqui ler estes textos maravilhosos. Um beijinho, amiga e até breve
ResponderEliminarEmília
Olá
ResponderEliminarHá dias comentei este posT mas só agora percebi que terá havido qualquer falha e o comentário não ficou.
Fez-me este assunto relembrar algo que vivi quando o meu filhote tinha cerca de 8 anos e a minha mãe(que ele adorava) desapareceu das nossas vidas...como sempre lindos e enriquecedores os seus textos!
Bjs
Oi Isabel!
ResponderEliminarNão me está a ver neste momento, mas pode-me sentir, as lágrimas caem-me.Sou pouco, para elogiar a sua escrita.Gostei"mamâ ,gosto muito de ti, és a imortalidade da minha lembrança".fico por aqui.....
Até breve
Herminia
Isabel
ResponderEliminarUm testemunho maravilhoso de uma mãe que esclarece o seu filho:" Mamã o que é a imortalidade da lembrança" E o resumo que fazes do mundo, das pessoas boas e más, mas marcantes...é tão intenso que o pequenito conclui acertadamente: "Mamã tu és a imortalidade da minha lembrança"
Emocionante!
Beijo ,amiga.
Graça
Isabel ,
ResponderEliminara vida aqui resumida nos seus afectos e a beleza incondicional do amoe entre filho e mãe .
Belo !
Um beijo,
Maria
Mi Querida Amiga Malena:
ResponderEliminarEs siempre bienvenida. Gracias por tu visita.
Un gran abrazo.
Olá, Lilazdavioleta!
ResponderEliminarO nosso património afectivo é sagrado.
Gosto de receber a sua visita.
Um beijinho.
Querida Graça:
ResponderEliminarGosto de saber que és uma companhia sempre presente e que pensas como eu.
Um grande abraço para ti.
Olá, Lilá(s)!
ResponderEliminarDescobri hoje que tinha um comentário por moderar, que era o seu.
Assim, fico com duas presenças suas, o que muito me alegra.
Creio que as conversas com os nossos filhotes são mais enriquecedoras para nós do que para eles.
Um beijo.
Querida Emília:
ResponderEliminarBem haja por ter partilhado comigo todas essas suas vivências e emoções. São o seu património afectivo e são simultaneamente o seu legado afectivo.
Sinto que o seu neto é um dos seus maiores tesouros e com certeza que a Emília também é considerada por ele, um dos seus grandes tesouros.
Um abraço do tamanho do mundo para os dois tesouros - avó e neto.
Querida Hermínia:
ResponderEliminarAquilo que eu escrevo é que é muito pequeno ao pé da grandeza da sua alma.
As suas lágrimas são preciosas porque encerram em si um mar de recordações, de sentimentos, de emoções. São lágrimas que vêm da alma, através de uns olhos que já viram e ouviram tanta coisa! Uns olhos que já viveram muito e que ainda têm tanto para viver!
Um abraço do tamanho da constelação maior que há no firmamento.
Eterno é tudo o que vive em nos...durante a nossa vida...
ResponderEliminarBeijo d'anjo
...lindo, poético, uma escrita finamente cuidada!
ResponderEliminar'Tu és a imortalidade da minha lembrança.' - uma frase divina para exprimir o amor de um filho.
Um beijo, Isabel!
Olá, Sonho:
ResponderEliminarEterno é aquilo que, em cada momento, acreditamos que é para sempre.
Um abraço.
Querida Fragmentos:
ResponderEliminarNão há sentimento mais forte no mundo do que o amor de mãe.
Sempre grata pela sua companhia.
Um beijo
... vim para lhe agradecer o atento olhar!
ResponderEliminarLindo fim-de-semana!
Um beijo,
Bem haja, Fragmentos Culturais, pelo Seu carinho.
ResponderEliminarUm beijo e um fim-de-semana com paz.