domingo, 10 de abril de 2011

                                                                            La Pietà

Há uns anos, numa sexta-feira santa, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, a minha atenção foi convocada para “La Pietà”, que me fascinou como um céu cheio de cometas. Não pude deixar de me deter perante a incomensurável riqueza daquela obra de arte legada à Humanidade por Michelangelo Buonarroti que, pelo seu peculiar talento e brilhantismo, ombreia os deuses. Na verdade, a singularidade dessa obra reside na mestria com que aquele de Caprese, aos 23 anos de idade, soube esculpir no mármore, o estado de alma de “sereno desespero” de uma mãe que ampara no seu regaço, o filho cujo espírito partiu já deste mundo. Uma mãe com a alma amortalhada, desfeita em mil farrapos gélidos, segurando seu filho morto – Jesus de Nazaré, o Filho de Deus-Pai Todo Poderoso. Uma mulher, também ela, supliciada e crucificada, despedaçada por uma agonia dilacerante, à deriva num mar de pranto. Não é assim que se sente a mãe cujo filho foi assassinado? De que outra forma se pode descrever a mulher que é fulminada por uma dor do tamanho do mundo? E, no entanto, contemplando a Virgem tão serena na sua dor, somos invadidos por uma inusitada sensação de paz, que se desprende da resignação desta Mulher perante o drama que sobre ela se abateu. Ao apreciar, deslumbrada, este magnífico grupo escultórico de mármore, lembrei-me de tantas mães que perderam os seus filhos, os quais ressuscitaram para sempre na alma delas. E acendi uma vela por todas essas mães, pedindo a Deus que lhes dê sempre capacidade de resignação e de aceitação da sua incomensurável dor, já que esta, nada nem ninguém conseguirá jamais apagar do seu coração. O meu momento de recolhimento e oração foi interrompido por um vozinha miudinha que, atrás de mim, no colo de sua mãe, clamava, em bom Francês de Paris, que queria ir comprar os ovos de chocolate que lhe tinham sido prometidos. Olhei para trás e sorri para o menino sardento. Quando ele, com o seu ar reguila, me devolveu o sorriso, interroguei-me se ele conheceria o verdadeiro significado dos ovos da Páscoa. Saberia ele que o domingo de Páscoa é a ressurreição de Cristo, simbolizada pelo ovo, que representa o nascimento, o retorno da vida? Este é o verdadeiro sentido da mais importante festa da Cristandade, e é o único que eu gostaria de ver preservado no coração de todos e de cada um de nós. Voltei a olhar para trás, desta feita através da bruma do tempo, e vislumbrei, lá muito ao longe, uma menina de cinco anos de idade, sentada no colo de sua mãe que, beijando e afagando a face da menina, lhe explicava o significado dos ovos da Páscoa. A menina sorria docemente, com os dentes cheios de chocolate, e deliciava-se com tudo o que sua mãe lhe ensinava. Bem hajas, querida mãe, por, no salão com lareira da minha infância, na hora do chá e dos scones quentes com manteiga, teres sempre partilhado comigo os teus conhecimentos.

32 comentários:

  1. O texto como a Isabel Maria sabe,é um belo texto.
    Sobre o significado da Páscoa, como ritual católico, não me pronuncio, respeitando no entanto todas as opiniões e credos.
    Sobre a magnífica Pietá, já a Maria Isabel disse tudo de uma forma brilhante.
    Permitia-me só chamar a atenção para o "cuidado" que o Michelangelo teve nas dimensões das figuras: J.C. mais pequeno que a mâe; idealizada pelo escultor como mais jovem e com um rosto calmíssimo,evitando assim a escultura de um rosto angustiado, o que seria "normal".
    É um prazer ler um excelente texto e simultaneamente apreciar a Pietá.
    Abraço

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  2. Boa noite Isabel
    A sua imagem fez-me lembrar outra que tive o prazer de ver em Berlim, Setembro passado. É de Kathe Kollwitz Pieta e encontra-se num templo grego às portas de Berlim. Na lápide podemos ler "To the victims of war and tyranny"... esta escultura é preta e está isolada no meio do edificio. Arrepia quando lá entramos e nos deparamos com ela.
    O seu texto conjuga a festa religiosa que se avizinha, bem como o amor maternal que pode ser estendido a todos os que convivem connosco...
    Atenta e perspicaz como só você.
    Bem haja
    bjs
    Célia

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  3. Isabel
    Esqueci de lhe dizer que este seu post não está a ser actualizado no meu blogue na coluna dos blogues que estou a seguir. Será algum problema do meu ou do seu blog?
    bjs
    CF

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  4. Bom dia, Isabel

    Bela evocação, ilustrada por "La Pietà", bem dentro do espírito desta quadra.Vejo nesta mãe da obra de Michelangelo a representação de um sofrimento imenso e, ao mesmo tempo,uma atitude de abnegação e de perdão, fazendo mais uma vez a oferta do seu maior tesouro: Eis o meu Filho, ofereço-vo-lo para vossa Redenção.
    O quadro da menina de 5 anos com a mãe é simplesmente amoroso. Benditas as Mães!

    Beijos e uma boa semana.

    Olinda

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  5. A Senhora das Dores... para nos mostrar que há dores enormes e que temos de saber conviver com elas.

    Bjos

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  6. Isabel, o seu texto fez-me lembrara dor daquelas mães brasileiras cujos filhos foram massacrados por um maniaco que foi escola adentro e disparou a torto e a direito, matando 12 crianças. Insanidades de um ser a quem se chama homo sapiens! Quanto ao ovo da Páscoa, infelizmente, penso que as nossas crianças não sabem o seu significado; tudo virou comércio. Compete a cada um de nós modificar esta tendência explicando aos nossos pequeninos esse significado. Um beijinho, Isabel e obrigada por tão belo texto. Tenha uma bela semana
    Emília

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  7. Olá, Álvaro!
    Obrigada pela sua presença atenta e amável.
    O Michelangelo era mesmo um génio.
    Replicando à sua resposta ao meu comentário no seu blog, gostaria de lhe dizer que eu não costumo ler em alemão. Estudei alemão durante 3 anos, era uma boa aluna (modéstia à parte) e adorava alemão, tal como ainda hoje adoro. Mas esses 3 anos de estudo ocorreram há décadas! Não falo com alemães, não leio nada em alemão, não oiço ou vejo programas alemães, o que significa que não tenho prática nenhuma da língua alemã. Apenas me lembro de algumas coisas em alemão.
    Um abraço.

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  8. Querida Célia:
    Não sei o que se passará para não ter recebido a actualização. Vamoa aguardar para ver se continua a não receber.
    Obrigada pelo seu olhar sempre carinhoso em Luz de África.
    Um abraço.

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  9. Isabel
    passei por aqui para lhe dizer que está regularizada a situação... ainda bem porque facilita o acesso visual ao tema do último post e permite actualizar os coments.
    Obrigada
    Bjs

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  10. Querida Olinda:
    Há de facto dores do tamanho do mundo. E há momentos de ternura e de amor do tamanho do firmamento.
    Um grande abraço.

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  11. Querida Fá Menor:
    Há dores maiores do que nós, que carregamos uma vida inteira.
    Um abraço.

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  12. Querida Emília:
    Nesta vida, há dores com um peso do tamanho do mundo e há alegrias do tamanho do céu. E há que saber gerir tanto umas como as outras, com serenidade e equilíbrio. O nosso património humano é constituído por todas elas.
    Muito obrigada, Amiga, pela tua leitura atenta e cheia de carinho.
    Um forte abraço.

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  13. Oi Isabel!
    Já tive a sorte de ver a Pietá, fiquei deslumbrada com tamanha obra.
    Gostei do seu lindo texto, a força que ´d´a às mães que perderam seus filhos,um peso, que parece não se aguentar.
    Privo de perto com uma, que já alguns anos se senta na mesa da cosinha, sempre na Esperança de ver entrar a filha, di-lo com convição.
    A vida é uma surpresa,em todos os momentos aparecem caixinhas !
    Quanto aos ovinhos é bom que se ensine aos meninos todos os passos da nossa religião, e agora até com livrinhos tão facilitados.
    Só agora vi ´a sua naturalidade :VISEU, linda cidade,belas recordações , fiz aí o meu 7º ano do Liceu, era uma menina, o rossio naquele tempo era a "perdição", agora passo por aí menos vezes, infelizmente fui perdendo a familia, só me resta a saudade.
    Até breve
    Herminia

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  14. Querida Hermínia:
    A dor de que fala é a maior dor do mundo!
    Eu não sou natural de Viseu, apenas moro nesta bela cidade, que lhe é tão cara, porque, em cada recanto, existe uma emoção sua.
    Um abraço.

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  15. Isabel ,

    esta escultura sempre me causou um conjunto de emoções .
    Admiração pela obra de arte em si e arrepios de comoção pelo seu significado ... A Virgem tem os olhos não abertos , pois seria difícil transportar para a pedra tanta dor .
    O seu texto está magnífico , como já me vou habituando .
    Um beijo

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  16. Olá, Lilazdavioleta:
    Obrigada pelas suas visitas, que são sempre tão agradáveis!
    um beijo.

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  17. Boa noite Isabel,
    antes de mais, quero felicita-la pelo excelente texto com que nos presenteia. Depois aproveito para dizer que tenho uma imagem igual a esta mas pequena, e que a Isabel descreveu muito bem toda a dor de Maria transmitida na escultura.
    Por fim, quero dizer, que o significado do ovo deveria ser do conhecimento de todos, e que estamos na altura certa de o explicar às nossas crianças.
    O triste aqui, é que os valores se vão esquecendo, e o que se transmite é oco e não tem beleza. Nos nossos dias, as crianças gostam muito mais da Páscoa, pelos presentes que recebem do que propriamente pelo que ela representa.

    Beijinho,
    Ana Martins

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  18. ISABEL


    100 000visitas

    Tnho festa no meu blog
    tenho selo para ti

    Um beijo

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  19. Querida Isabel
    Também eu senti grande emoção ao admirar, ao vivo, esta magnífica escultura quando viagei em itália.
    Não vou acrescentar nada; tu dizes (e muito bem) tudo o que há para dizer a respeito.

    Quanto aos ovos da Páscoa... é muito bom, é ótimo, quando podemos recordar os ensinamentos que nos foram transmitidos por nossas Mães (e/ou Pais), e a que podemos dar continuidade nos filhos e netos.

    Um bom fim de semana. Beijinhos

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  20. Querida Isabel,

    La Pietá, obra magnífica. Seu criador era antes de tudo um poeta genial capaz de dar corpo e alma a pedras e "pedras".

    Sua escrita também me remeteu à infância, - ao momento em que meu querido avô materno, pacientemente, explicava-me o porquê dos ovos de Páscoa. Até hoje sinto um sabor de renascimento ao deliciar-me com chocolates, em qualquer época.

    Isabel, sempre um prazer dedicar leitura aos seus escritos.

    Bjs, querida. Um bom fim de semana. Inté!

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  21. É sempre um prazer ler estes excelentes textos!
    Bjs

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  22. É notável a descrição da Pietá!
    Gostei muito da associação da "escultura" a uma cena da vida real - protagonizada pela criança ao colo de sua mãe - na plenitude da vida.
    Parece-me perfeita a ligação da imagem, ali representada, aos ovos, como símbolo da Páscoa.

    Também senti que fui transportado para a minha infância, vivida no seio da grande família, que dava a máxima importância à quadra festiva da Páscoa.
    E ela aí está à porta...
    Um prazer.
    Beijos!

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  23. Querida Ana Martins:
    Ainda bem que estamos em sintonia quanto ao sentido da Páscoa.
    Agradeço as suas palavras que não mereço, pois das minhas palavras não se solta o perfume dos anjos que envolve os seus poemas.
    Um beijo e Santa Páscoa.

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  24. Querida Lili Laranjo:
    Confesso que, por falta de tempo, não tive ainda tempo de aprender como se vai buscar um selo ao blog de alguém nem como se coloca esse selo no nosso blog.
    Um grande abraço.

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  25. Querida Mariazita:
    É bom saber que, para além da paixão por África, partilhamos outras formas de pensar e de estar, outras emoções.
    Desejo que tenhas uma Santa e Feliz Páscoa.

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  26. Querida Ju Rigoni:
    Como está a sua mãe?
    É muito bom regressar à infância e percorrer esse trajecto com emoções felizes.
    Santa e Feliz Páscoa para si e Família.

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  27. Querida Lilá(s):
    Muito obrigada pela visita e pelas palavras simpáticas que não mereço.
    Santa e Feliz Páscoa para si e Família.

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  28. Querido Petrus:
    Sei como, há uns anos, adoraste ver a Pietà, e sei o significado que a Páscoa sempre teve para ti e para a tua Família, sobretudo para aqueles que te eram tão próximos e que já partiram deste mundo. E sei que, também por isso, a Páscoa é para ti uma época muito triste.
    Um beijo.

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  29. Querida Isabel
    Não conheço ao vivo La Pietá, a não ser por fotos e filmes e mesmo assim, me tocou muito. Imagino-me então em presença desta magnifica escultura desse grande Mestre e tenho a certeza que ficaria em silêncio, tentando entender a dor desta Mãe a quem o Filho lhe foi tirado de uma maneira bárbara!
    O teu texto é um presente com tanta coisa bonita: a explicação dos ovos da Páscoa, as tuas lembranças docemente"besuntadas", a mistura (e tão bem que fica) dos scones quentes com manteiga e o carinho da tua mãe e os ensinamentos que elas (as mães) deixam sempre nas nossas vidas.
    Recebo este texto como um bendito ovo da Páscoa!
    Mil beijos e uma santa Páscoa para ti.
    Graça

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  30. Querida Graça:
    A tua visita e as tuas palavras carinhosas são sempre uma bênção.
    Santa e Feliz Páscoa para ti e para toda a tua Família.

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  31. Querida Isabel
    Trago um abraço apertado e o desejo de uma feliz semana.
    Bom final de domingo. Beijinhos

    PS - Não desejo boa Páscoa porque ainda nos "vemos" antes:)

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  32. Querida Mariazita:
    Obrigada pelo teu abraço apertado, que retribuo.
    Claro que ainda nos vemos.

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