quarta-feira, 25 de março de 2015

"SERRANO DE PILÃO ARCADO - A SAGA DE ANTÔNIO DÓ"


    
 
Petrônio Braz é GRANDE. Sempre o será. Por isso, aqui fica a minha homenagem ao Homem e ao Escritor que teve a gentileza de me convidar para prefaciar a 2ª edição do seu romance "Serrano de Pilão Arcado - A saga de Antônio Dó", leitura obrigatória nos Vestibulares 2011-2012 da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES - Brasil, e reverenciado pelo Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras, edição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - 2º vol. - 2009.
É o prefácio que aqui vos deixo, do qual retirei agora as referências às páginas da obra nas quais se encontram as frases e expressões citadas:

Com a gentileza que sempre o caracterizou, o doutor Petrônio Braz endereçou-me o convite para prefaciar o seu livro “Serrano de Pilão Arcado - A Saga de Antônio Dó”, gesto que muito me honra e penhora. E se logo receei não estar à altura da obra deste grande nome da literatura brasileira, senti, do mesmo passo, que a profunda admiração que sempre nutri pelo percurso do doutor Petrônio Braz, me impelia a aceitar o convite.
O doutor Petrônio Braz, esclarecido como poucos e iluminado pelo brilhantismo que deposita em tudo quanto faz, tem pautado a vida pelo rigor e empenho com que abraça os seus projectos. Dono de uma invulgar cultura e de uma inextinguível determinação, supera-se a si próprio a cada instante. E se Deus descansou ao sétimo dia da criação universal, o doutor Petrônio Braz tem-se revelado imparável no seu processo de permanente criação. É fundador da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco (Aclecia), da qual é Presidente. É advogado, escritor, professor, assessor e consultor jurídico com profunda experiência no âmbito do Direito Administrativo, prestando consultoria a agentes públicos administrativos municipais e a professores de Direito Administrativo. Foi o único juiz de paz eletivo do seu município, alicerçado num profundo saber jurídico e numa experiência de mais de quarenta anos no mundo político e administrativo, desde que foi vereador e depois prefeito da sua São Francisco natal.
Autor de mais de quinze obras literárias, muitas das quais de literatura jurídica, o romance “Serrano de Pilão Arcado - A Saga de Antônio Dó” é fruto de vinte e três anos de aturado estudo do escritor sobre a vida e os feitos de Antônio Dó, de seu verdadeiro nome Antônio Antunes de França - o mais importante bandoleiro de Minas Gerais, e sobre os usos e costumes, as crenças, a indumentária e o linguajar do sertão baiano-mineiro.
Tal é o doutor Petrônio Braz!
Em “Serrano de Pilão Arcado”, o autor faz um resgate histórico da memória de Antônio Dó, indo ao encontro do homem que se escondia por detrás do jagunço. Aliás, o escritor inicia o romance com um episódio protagonizado pelos pais de Antônio Dó, o qual, a partir de então, passa a ser para nós, leitores, o filho de Benedito e de Sebastiana. Ao mesmo tempo que nos conta a vida de Antônio Dó, o escritor resgata um passado não muito distante de si, na medida em que seu pai - o eminente e saudoso historiador Brasiliano Braz, foi contemporâneo de Dó, sobre o qual também pesquisou e escreveu em “São Francisco nos Caminhos da História” (Belo Horizonte, Lemi, 1977.)
A obra que o leitor tem agora em mãos, inicia-se na fazenda do Salitre, em Pilão Arcado, no sertão baiano, onde Antônio Dó nasce e vive, e onde ajuda o pai na lida do gado. Mercê das secas que assolavam a região, do mal-de-secar que fustigava o gado bovino e da praga das saúvas que desfolhavam as árvores de fruto, Benedito decide vender as suas terras e partir com a família em busca de uma vida melhor. Corria o ano de 1878 quando a família parte para as terras de São Francisco, então conhecida como Pedras dos Angicos ou Pedras de Cima, aí chegando após 35 dias de viagem rio acima.
“Desde a chegada, Benedito ficou sabendo, ainda no porto, que o dunga do lugar era o Cel. Nunes Brasileiro, chefe dos chimangos.
Um canoeiro havia lhe informado:
- Moço! Aqui nas Pedra, tirante Deus, o homem forte é o Cel. Nunes Brasileiro.”
Por intermédio do Coronel Nunes Brasileiro, os Antunes de França adquirem direitos sobre consideráveis parcelas de terra às margens do rio São Francisco, que começam a lavrar, e compram algumas cabeças de gado. É assim que, à custa de um trabalho árduo, veem a sua vida prosperar; mas a pacatez da vida de Antônio Dó chegaria ao fim em 1909, quando Chico Peba, um seu vizinho que dominava a política local, combina com Maurício Rocha, um pequeno sitiante, apropriarem-se de um pedaço de terra de Arcângela - a companheira de Dó. Nesta contenda, Dó é humilhado pelo Capitão Américo que favorece os interesses de Chico Peba, e acaba sendo corporalmente agredido com chibatadas e preso.
Não satisfeito, Chico Peba acorda com Marcelino, “cunhado” de Antônio Dó, apropriar-se não só do gado deste, como também do gado da irmã e da companheira de Dó. Um dos irmãos de Dó - Honório, descobre tudo e é assassinado por Marcelino, homicídio este que ficaria impune.
Dó viria ainda a ter um outro conflito com Chico Peba, deste feita por causa de uma nascente de água, tendo as autoridades municipais, uma vez mais, tomado o partido de Chico Peba.
Revoltado com as humilhações por si sofridas e com a impunidade do homicídio de seu irmão, e verificando que as autoridades nada faziam para reparar as injustiças e punir os criminosos, Dó arregimenta, então, um bando de jagunços com o propósito de entrar em São Francisco e aí ajustar contas com Chico Peba, Marcelino e as autoridades locais e obter o ressarcimento dos seus prejuízos.
Não conseguindo obter o pretendido ressarcimento, inicia toda uma luta contra o despotismo dos coronéis, impondo pela força, a justiça nessa terra sem lei que era o sertão.
Neste período de cangaço, com os ânimos ao rubro na região sertaneja, devido a questões de disputas de terras e de gado, Antônio Dó passou a ser solicitado para exercer funções de “juiz de paz”, um “juiz popular”, numa simbiose entre o fora-da-lei e o agente da lei, dirimindo conflitos de interesses e utilizando a força da sua cabroeira para impor e fazer executar as suas decisões. Nesse“mundo-cão” – as palavras são do próprio Dó, o protagonista tinha para ele que era preciso acabar com o poderio dos “cachorros-do-governo”, expressão tantas vezes utilizada pelo jagunço para aludir ao poder instituído. Os mesmos“cachorros-do-governo” que Dó jurou a si mesmo que só lhe punham a mão em cima, morto. E o que é certo é que, aquele que ainda hoje é conhecido naquelas bandas, como o “Rei do sertão”, esteve à frente dos destinos das terras sertanejas durante dezanove anos, contra todos os contingentes militares que jamais o conseguiriam capturar, tendo, ao invés, o seu bando de cabras tirado a vida a centenas de militares enviados na caça ao homem. Por sentir que era um justiceiro, confessa, já quase no final da obra: “Carrego remorso na minha cacunda, não.”
Apesar de Antônio Dó ter falecido há setenta e oito anos (em 14/11/1929), a tradição oral dos contadores de histórias do sertão baiano-mineiro tem permitido que a sua memória e as suas façanhas atravessem o tempo e permaneçam vivas nas terras do São Francisco, numa clara demonstração de que o homem passa, mas o mito fica. Aos dias de hoje, chegaram lendas sobre os poderes sobrenaturais deste jagunço, como o de ter o corpo fechado por um patuá que lhe tinha sido oferecido por uma filha-de-santo e que ele trazia sempre consigo, o pacto celebrado com o Demo e o círculo desenhado no chão, dentro do qual os seus capangas estavam a salvo, em domínio à prova de bala. Ninguém mais indicado para fazer o resgate histórico da memória de Antônio Dó do que o doutor Petrônio Braz que, durante 20 anos, viveu e trabalhou na roça como agrimensor e percorreu a cavalo toda a região sertaneja em seu dia percorrida por Dó.
Senhor de uma rara sensibilidade e sempre atento à realidade envolvente do seu tempo, o doutor Petrônio Braz tributa o seu livro “aos pássaros, que voam livres pelos céus do vale do rio São Francisco; aos poucos animais silvestres, que ainda perambulam soberanos pelas suas vazantes e pelos seus cerrados; aos peixes sobreviventes, que povoam as suas águas; às árvores que até agora sobrevivem à devastação do homem; às veredas do Grande Sertão que ainda correm límpidas, com suas linfas cristalinas (…); às chuvas que, às vezes, caem sobre o sertão (…)”
Estamos perante uma obra literária escrita com mestria, à qual não podemos poupar encómios e cuja leitura constitui um must.
No alto dos céus, Maria Augusta está certamente feliz e orgulhosa do filho que deu ao mundo, e pedirá sempre a Deus que, com a sua luz divina, nunca deixe de iluminar o caminho à passagem deste Homem que, mercê do seu peculiar brilhantismo, irmana a divindade.
Bem haja, doutor Petrônio Braz, por ser quem é e como é, e que os “pássaros, que voam livres pelos céus do Vale do rio São Francisco” continuem a ser uma realidade viva.
                                                                                                
                                                                                                          Isabel Maria Cabral

domingo, 25 de janeiro de 2015


 
 
Quando a noite cai e a saudade se acende, as estrelas enternecem-se e derramam o som das cores que passaram e o brilho dos murmúrios que ficaram.

Estala a lembrança de outras noites na ilha do Ibo, quando o tempo corria cálido e lento.

Tu vinhas visitar-me, passavas a noite comigo e dizias que um dia ficarias para sempre.

Eu, embriagada com a luz do teu olhar, acreditava no poder mágico da sedução, no prazenteiro jogo do enamoramento e em todo o seu cortejo de deuses.

Até que um dia deixaste de aparecer, mas a música com que beijavas os meus lábios, e a surdina do teu perfume de lírios no meu corpo, fazem-me acreditar que um dia voltarás e não mais partirás.
 
                                                                                                                                       Isabel Maria

domingo, 14 de dezembro de 2014

ALMA NOVA VIRADA AO SUL

                                  

 


                       Carolina deixara de poder viajar anualmente para Moçambique, o seu país natal, onde passara a infância.

                       Um acidente de viação arremessara-a, paraplégica, para uma cama.  Com a alma amputada, sentia-se à deriva no mundo,  restricto agora ao seu quarto. Valia-lhe a enorme janela para a qual se encontrava virada.

                       Um dia, na primavera, a janela aberta, Carolina reparou que uma andorinha-dos-beirais que se encontrava pousada no parapeito, a olhava ternamente. Quando lhe sorriu, a andorinha entrou e veio pousar suavemente na mão dela, cantando e acariciando-lhe a pele com a cabecita  e as asas.

                       Desse dia em diante, frequentes passaram a ser as vezes em que, durante o dia, a avezinha a vinha visitar, afagar a sua mão e cantar para ela.  E cada vez que chegava, as estrelas do céu do quarto de Carolina acendiam-se e ela vislumbrava o sorriso de Deus.

                        Não mais consentiu que fechassem a janela.

                       Até que um dia, no outono, a andorinha veio visitar Carolina,  demorando mais a afagá-la, a olhá-la com sumo enleio e a cantar para ela.

                        De seguida, levantou voo,  saíu e foi juntar-se a um bando de andorinhas que, arando os céus, rumaram a sul.

                         A avezinha não mais regressou. As estrelas do céu do quarto de Carolina não se voltaram a acender e ela jamais voltou a vislumbrar o sorriso de Deus.

                          Morreu-lhe a alma.

                          Pediu, então, que fechassem a janela e não mais a voltassem a abrir.

                           Os dias e as noites sucederam-se envoltos num permanente negrume, até que, na primavera seguinte, Carolina ouviu um ruído vindo da janela. Olhou e viu a andorinha no parapeito, batendo na vidraça com o bico.

                            Reacenderam-se as estrelas do céu do quarto de Carolina. O sorriso de Deus voltou a brilhar. Pediu, então, que abrissem a janela de par em par.

                            Mal abriram a janela, a avezinha correu para ela, olhando-a com sumo enleio, acariciando-lhe a pele com a cabecita e as asas e deliciando-a com o seu canto.

                         Os olhos continham as cores das goiabas e das papaias de Moçambique. Na plumagem era notória a cor azul violeta dos jacarandás e a cor rubra das acácias. O bico aninhava o perfume do suco das mangas. As patitas abrigavam o cheiro da terra em brasa fecundada pelas chuvas de Dezembro em Moçambique.

                           A colcha da cama de Carolina ficou com as cores das goiabas e das papaias e impregnada com o perfume do suco das mangas e com o cheiro da terra molhada de Moçambique.

                          Nasceu uma nova alma a Carolina, agora inundada pelas  correntes quentes do canal de Moçambique.

                           E todos os dias a andorinha visitava Carolina várias vezes e vinha passear na mão dela, acariciando-lhe a pele com a cabecita e as asas,  e olhando-a com sumo enleio, enquanto cantava para ela.

                           No outono seguinte, Carolina desceu à terra.

                           A andorinha, num pranto, foi prostrar-se na campa.

                           Do chão desprendeu-se, então, uma nuvem cintilante que aninhava uma sorridente Carolina no seu regaço. Radiante, a andorinha correu a pousar na mão dela, olhando-a com sumo enleio, enquanto lhe acariciava a pele com a cabecita e as asas, e a deliciava com o seu canto.

                          A nuvem cintilante esfumou-se, ao mesmo tempo que   Carolina, bailando, se elevou no ar.

                           Carolina e a andorinha rumaram a sul, guiadas por uma estrela que, no firmamento, brilhava mais intensamente do que todas as outras: a estrela de Moçambique.                

                                                                                                                       
                             

                          Texto e imagem da Isabel Maria, com um abraço do tamanho de África para a Graça Machado, a minha Querida Zambeziana, que me animou a voltar depois de uma ausência prolongada, que se ficou a dever exclusivamente aos muitos afazeres que tenho em mãos.

 

domingo, 11 de agosto de 2013


 
CONSTELAÇÃO MAIOR 

Ontem estive sentada ao pé dos anjos, embalada pelo marulhar do Índico.

Acreditava, mãe, que depois de teres descido à terra uns dias antes,

haverias de voltar para passear na praia ao entardecer.

Queria abraçar-te, beijar-te, passear contigo de mão dada à beira-mar,

como tantas vezes fizemos.

Os anjos foram chegando e sentaram-se comigo junto ao Índico.

Sorriam melodias de harpa e a sua linguagem era a dos cânticos das estrelas.

Esperei tanto tempo por ti, mãe !

Até que começou a arrefecer e a ficar escuro.

As constelações acenderam-se de cores.

Vi o teu sorriso no seio da constelação maior

e compreendi que não mais poderias passear comigo de mão dada à beira-mar.

A minha alma fez-se mar de sangue.

Nesse momento, os anjos ressuscitaram o meu coração,

deram-me a mão e levaram-me a casa.

Mãe, hoje voltei ao Índico

e senti que ontem os anjos tinham sido enviados pelo teu sorriso

para que eu interiorizasse que tu estavas no seio de Deus para todo o sempre.

Agora sei que tu e os anjos fazem parte da mesma constelação.

E quando a noite cair,

verei sempre, no seio da constelação maior,

o teu sorriso e o sorriso dos anjos que ontem desceram à terra.

Então, tu e eles sorrirão melodias de harpa

e a vossa linguagem será a dos cânticos das estrelas.

Numa festa permanente, a constelação maior desenhará no céu a palavra MÃE.
 
 
 
 Texto e Foto: Isabel Maria

terça-feira, 13 de novembro de 2012

MÃE CLARA



                                       


                No pretérito dia 1 de Novembro, dia de Todos os Santos, desloquei-me ao cemitério para prestar homenagem aos que já partiram.

                E recordei-me do dia em que ali tínhamos ido acompanhar a minha sogra à sua última morada.

                Para a missa de corpo presente, tinha escrito algumas palavras de derradeira homenagem:
             

                “Hoje o céu está em festa com a chegada de uma Mulher plena de bondade. E também está mais estrelado, mercê da felicidade do reencontro de dois seres magníficos, aos quais, nesta Terra, foi dado viver, durante  mais de 60 anos, uma linda história de amor, que, agora, se eterniza.

              Senhora de um coração enorme, a transbordar de generosidade e amor ao próximo, e dona de um poder de resignação ímpar e de uma inexcedível capacidade de perdão, Mãe Clara foi convocada por Deus, que, assim, a libertou do sofrimento só nesta vida consentido.

              O facto de A sabermos, agora, sentada à direita de Deus Pai Todo Poderoso, solta das amarras da dor da separação do Seu Amado Esposo e dos entes mais queridos que lhe tinham levado a dianteira, deve encher-nos de júbilo e confortar-nos, transformando as lágrimas de dilacerante dor dos seus filhos em lágrimas de incontida alegria.

               Estou certa que, boa Mãe como sempre foi, iluminará, agora, do alto dos céus, o trilho de cada um dos seus filhos e netos.

               Bem haja, Mãe Clara, por tudo! E tudo foi tanto! Que todas as constelações do firmamento brilhem sempre por Si e para Si! Que todos os Anjos e Santos aconcheguem sempre a Sua Alma com um manto de Luz Divina!

               E perdoai-me, Senhor, por nunca ter tido capacidade para ofertar a este espírito de luz, a devida atenção e o carinho merecido.”
 

               Antes da missa, dirigi-me, na companhia do meu marido, à sacristia, a fim de pedirmos ao celebrante que me concedesse autorização para, durante a missa, ler aquelas breves palavras.

              O Sr. Cónego respondeu categoricamente:

                - Não! Isso não! Liturgia é uma coisa, sentimentos pessoais é outra! Durante a missa, não!

                O meu marido ainda sugeriu:

                 - Talvez no cemitério, durante a cerimónia religiosa…

                 Irredutível, o Sr. Cónego negou, uma vez mais, e sugeriu que o texto fosse lido, no cemitério, fora da cerimónia religiosa, depois do seu encerramento.

                 Sem alternativa, no cemitério, findo o ritual religioso, o  celebrante já de costas, comecei a ler.

                 Confesso que a leitura naquelas circunstâncias perdeu muito do seu verdadeiro sentido e da sua riqueza espiritual, na medida em que,   naquela ocasião, o representante de Deus na Terra já tinha deixado os seus fieis, que ali se haviam reunido precisamente com a finalidade de a sua voz ser por Ele ouvida. 

                Então, não é verdade que os fieis estavam reunidos, em comunhão com Deus, representado pelo sacerdote?

                 E também não é verdade que aquela reunião só fazia sentido porque todos os fieis acreditavam que Deus os estava a ouvir?

                  Não sei como se passam as coisas nas outras igrejas católicas espalhadas pelo mundo, mas têm-me chegado sentidos relatos de pessoas que estiveram presentes noutras cerimónias fúnebres, em igrejas católicas de Portugal, onde foram lidos trechos de homenagem ao defunto, escritos por familiares e amigos, sendo-me, concomitantemente, transmitido apreço por tais manifestações públicas.

                    Sendo a Missa ou Celebração da Eucaristia a principal celebração religiosa da Igreja Católica, o ponto máximo da comunhão dos fieis com Deus, entendo que as palavras de homenagem à minha sogra se enquadravam perfeitamente naquela missa em que o celebrante rogava a Deus pela sua alma.

                  E naquele dia de despedida da minha sogra, fiquei a pensar se não seria já altura de todos os elementos do Clero, sem excepção, mostrarem maior abertura na celebração dos actos litúrgicos, numa atitude que Cristo saudaria.

                 O que, na ocasião, me afagou a alma, foi ter tido a certeza absoluta de que, se eu tivesse pedido a Cristo autorização para ler o texto na missa, ele teria, sem qualquer hesitação, e com um sorriso inundado de luz divina, respondido que sim.

               
                                                                       Texto e fotografia da Isabel Maria.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

I´M FEELING GOD, MAM






                                            
"À sombra de um templo o meu melhor amigo e eu vimos um cego sentado e solitário.

O meu amigo disse: "Olha que esse é o homem mais sábio da nossa terra." Então, aproximei-me do cego e começámos a falar. Pouco tempo depois disse-lhe: "Desculpa a pergunta, mas há quanto tempo estás cego?"

Ele respondeu: "Desde que nasci."

"E qual o caminho da sabedoria que escolheste?"

"Sou astrónomo."

Em seguida levou a mão ao peito e acrescentou:

"Observo todos estes sóis, estas luas e estrelas."
       
                                                                  Khalil Gibran,   "O Astrónomo" , in "O Louco", p. 67 - Padrões Culturais Editora - 2011.



                  Ao ler ontem este texto de Khalil Gibran, veio-me imediatamente à memória a visita que fiz na última Páscoa, à "Grossmünster" ("Grande Catedral"), em Zürich, na Zwingliplatz, na margem leste do Rio Limmat.

                 Trata-se de uma basílica românico-gótica, cujas altas torres gémeas dominam a cidade, e onde apraz registar o portal românico com uma porta de bronze, e os vitrais executados por  Augusto Giacometti.

                E recordei-me desta basílica, porque, em frente da mesma, existe uma réplica da sua parte exterior, para invisuais. Quando saí da basílica, aproximei-me da réplica e vi um senhor invisual numa cadeira de rodas, tacteando a mesma, enquanto os seus olhos percorriam o céu de Zürich com uma inaudita satisfação.

              Não resisti a tocar-lhe ao de leve no braço e a perguntar-lhe em alemão, o que estava a sentir.

            Quando ele me disse, no seu inglês americano, que não falava alemão, repeti a pergunta em inglês:  "I do apologize for disturbing you, but I can´t resist asking you what you´re feeling while you´re groping this replica."

              Com uma luz divina a iluminar o seu sorriso, respondeu-me: "You´re not disturbing me by any means, Mam. It´s a pleasure to answer your question: I´m seeing the sky and I´m feeling God, Mam!"                 

                  

                                       Isabel Maria Rosa Furtado Cabral Gomes da Costa, com fotos da autora, relativas à Grossmünster. (Na 1ª, uma perspectiva do exterior da mesma, na 2ª, os vitrais de Augusto Giacometti, na 3ª, um pormenor da porta de bronze, e na 4ª, a réplica para invisuais.)
     

terça-feira, 3 de julho de 2012

CAPULANA MÁGICA




                      
                  Todas as noites se acende uma festa no firmamento de África. E nessa festa tropical, há uma constelação que brilha mais intensamente do que todas as outras: é o feitiço de África. Porque África é uma deusa de luz, prenhe de luz.  Luz gerada pelas acções das pessoas boas que amam África.

                  Há uns dias, numa reunião de trabalho de uma actividade extra-curricular, uma companheira - a Lucília, soube da minha paixão por Moçambique e do meu gosto pelas suas capulanas.

                  No final da sessão seguinte, ela, que também ama Moçambique, disse-me que tinha uma oferta para mim e entregou-me uma capulana daquele país.  Ao pegar na capulana, ouvi a chuva copiosa cair com raiva e fecundar a terra em brasa e senti vontade de dançar uma valsa africana, acompanhada pelo mistério, nunca desvendado, da percussão de um tambor na noite estrelada, abrilhantada pela cantata perfumada do Índico. Vi os querubins correndo descalços nos mangais da Zambézia, os meus pais, na idade da imortalidade, passeando na ilha de Inhaca. Ouvi os flamingos de plumagem flamejante pedir-me que volte, que volte, que volte...

                  A capulana semeou constelações no firmamento de África, acendendo uma festa tropical! E Moçambique inteiro afagou o meu coração.

                     Muito obrigada, minha querida Lucília.
 
                                                                                              
                                                                                              Isabel Maria

                                                                    O registo fotográfico é da capulana ofertada pela Lucília.