sábado, 24 de setembro de 2011

"YOU´RE A LOVELY GIRL"



Setembro de 1987. Londres. Green Park.
Estava pela primeira vez na capital do império britânico. Sozinha. "All by myself".
Naquela manhã, dirigia-me a pé para Westminster Abbey.
Ao atravessar Green Park, parei e consultei o mapa da cidade.
Um velhinho que dava sementes aos pássaros, perguntou-me se me podia ajudar. A doçura do seu olhar fez-me lembrar o meu avô que, havia dois anos, vivia numa nuvem cor-de-rosa cheia de sol.
Depois de ele me ter explicado o melhor itinerário para a abadia, ficámos ali a conversar alguns minutos, inclusivé sobre o meu avô.
Aqueles minutos de conversa emoldurados com o carinho do olhar dele, souberam-me tão bem!
Na despedida, disse-me: "You´re a lovely girl. Take care."
E, naquela manhã fria de Setembro, senti o coração agasalhado com a ternura do velhinho e o afago daquelas palavras.
Não o voltei a ver, mas a minha primeira viagem a Londres ficaria para sempre marcada por aquele encontro. 

                                                                                       Texto e foto: Isabel Maria.

sábado, 17 de setembro de 2011

O NOME DELA



Detive-me junto da boneca que sempre se encontra sentada na cadeira do quarto.
Olhando para além dos olhos dela, vislumbrei o sorriso de Carmina, a fiel cozinheira da casa dos meus pais em Moçambique.
Carmina tinha a tez da cor do chocolate, trazia duas esmeraldas no olhar e era dona de  um sorriso que congregava constelações em seu redor.  A sua voz de veludo aconchegava-nos o coração. Tinha sempre uma palavra de conforto para todos e cada um de nós e era senhora de uma descrição e de uma sobriedade ímpares, para além de uma exímia cozinheira. Vivia em nossa casa e era uma excelente contadora de histórias de encantar.
Ah, Carmina! Como me lembro das histórias com que tornavas mágicos os meus serões! E como as tuas mãos eram macias quando me acariciavas o rosto e me dizias que era "a menininha mais bonita do Rovuma ao Maputo"!
Um dia, Carmina, voltámos para Portugal e tu ficaste em Moçambique.
Quando me despedi de ti, as tuas lágrimas e as minhas fundiram-se num abraço eterno. Ainda hoje te oiço a soluçar baixinho e sinto a pele macia do teu rosto no meu e as tuas lágrimas a deslizarem na minha cara, de mão dada com as minhas.
Na ocasião, ofereceste-me uma boneca da cor do chocolate e disseste-me que lhe tinhas pedido que cuidasse sempre de mim.
Trocámos cartas e telefonemas durante seis meses e, depois, tu partiste para junto dos anjos, porque a tua bondade não era deste mundo.
Nunca mais te voltei a ver, minha querida e doce Carmina, mas continuo a sentir-te num abraço eterno e a pele macia do teu rosto continua a afagar o meu. Agora sei que as lágrimas que sinto deslizarem na minha cara, são só as minhas, porque tu vives numa estrela do firmamento de África e o teu sorriso é a candeia do meu caminho.
A boneca, minha boa Carmina, vive comigo há décadas, e, tal como lhe pediste, tem cuidado sempre de mim. É a jóia que eu trouxe de África. Tem o perfume das tuas mãos e o nome dela é Carmina.
                                                                                                 
                                                                   Texto e foto da Isabel Maria

domingo, 4 de setembro de 2011

O TEMPO





Um astrónomo disse:  Mestre, que pensas do Tempo?
 

- Gostaríeis de medir o tempo, o infinito e o incomensurável. Gostaríeis de ajustar a vossa acção e até de orientar o curso do vosso espírito de acordo com as horas e com as estações. Gostaríeis de fazer do tempo um rio em cujas margens pudésseis sentar-vos a contemplar o seu curso.

No entanto, o infinito que há em vós tem consciência da eternidade da vida; e sabe que o presente é só memória do dia de ontem e que o amanhã é sonho do presente. E que aquilo que em vós canta e em vós contempla mora ainda nos limites daquele primeiro encontro que semeou as estrelas no espaço. Quem de vós não sente que o seu poder de amar é ilimitado? Quem não sente que esse autêntico  e verdadeiro amor, embora sem limites, e fechado no centro do seu ser, não se desloca de um sentimento de amor a outro sentimento de amor? E não é o tempo, como o amor, indivisível e imóvel?

Se no vosso pensamento tiverdes de medir o tempo em estações deixai que cada estação abrace todas as outras. E deixai que o dia de hoje abrace com saudade o passado, e o futuro com ansiosa esperança.


Khalil Gibran, " O Tempo", in "O Profeta", p. 43.

Foto (Perto do Tarrafal, na ilha de Santiago - Cabo Verde): Isabel Maria.