“Que é morrer senão erguer-se nu ao vento e fundir-se com o sol? Que é deixar de respirar senão libertar o corpo das incessantes marés para poder elevar-se e expandir-se na busca de Deus sem nenhum limite?” - Khalil Gibran, in “O Profeta”, pag. 54.
Carregava consigo o peso da "maior dor do mundo". Era uma mulher cuja beleza não passava despercebida em parte alguma, mas os seus olhos cor de violeta que, nos tempos da Faculdade, a tinham celebrizado, valendo-lhe o cognome de “Elizabeth Taylor”, tinham perdido todo o brilho. Também a luminosidade que sempre irradiava do seu sorriso, tinha, há muito, deixado de ser uma realidade viva.
Lera “A filha-sombra” de P.F.Thomése, e revia-se no estado de espírito do autor que tinha perdido a filha: “Tudo está congelado, tão frio e quieto torna-se. Tão frio que afasta todo o sentir. Tão quieto que a respiração congela nos lábios como um ponto de interrogação. Não acontece mais nada, “o momento que irrompe” está para sempre congelado.”
O filho dela tinha 3 anos de idade, olhos cor de violeta e caracois loiros a emoldurar as bochechas rosadas de querubim. Uma criatura celestial. Talvez por pertencer ao Céu e não à Terra, Deus tinha-o chamado a si, à hora do crepúsculo, num dia de Setembro.
Ela transformara-se, então, num ser afogado em tristeza.
Não aguentando a angústia da perda do filho, fôra viver para Lisboa, abandonando Viseu que tantas recordações lhe trazia, pois era aqui que o seu menino despontava em cada esquina e que as suas gargalhadas eram audíveis em cada canto.
Tinham fluído três longos anos de intensas sessões de psicoterapia, sem que, alguma vez, tivesse conseguido voltar à “Cidade Jardim” que vira nascer o seu menino.
Tinha gravada na memória a “Praça da República” de Viseu, vulgarmente designada por “Rossio”, onde tantas vezes tinha estado com seu filho pela mão, a dar milho aos pombos, enquanto ambos se abraçavam numa perfeita fusão de almas e ela lhe dava beijos que depositavam na face rechonchuda dele, todo o amor que enchia o seu coração de mãe.
Depois, atravessavam a rua e seguiam pelo passeio que acompanha o mural de azulejos de temática regionalista, que se situa a nascente do “Rossio” e se estende até ao “Jardim das Mães”. Neste jardim, por entre canteiros de buxos, rosas e lírios, seu filho detinha-se a contemplar o “Monumento às Mães” que se ergue no meio do jardim, com o menino a dormir no colo de sua mãe, “o melhor sono da nossa vida em que na nossa alma docemente penetra Deus”, como se lê na inscrição feita na base no monumento. O mesmo sono que o seu menino tantas vezes dormira no seu colo…
Agora tinha finalmente arranjado coragem. Voltara a Viseu em homenagem ao filho da terra, porque tinha interiorizado que, ao fugir do lugar onde ambos tinham sido felizes, estava a cristalizar o espírito dele nesse lugar, impedindo-o de usufruir da paz e liberdade eternas de que Deus o considerara merecedor.
No “Rossio” tudo permanecia igual a si próprio. Lá estavam o majestático e bem conservado edifício dos Paços do Concelho com o seu pórtico com cantaria, as tílias ancestrais a desafiar o céu, os bancos de jardim com tantas histórias para contar, e os pombos nos beirais, nos peitoris das janelas e nas varandas do edifício.
Recordava-se particularmente de uma pomba branca que sempre tinha vindo para junto deles, permanecendo a seus pés e comendo suavemente os grãos de milho nas mãos deles, fitando-os com infinita ternura.
Desta feita sozinha, acorreu a dar milho aos pombos, e verificou que a pomba branca veio posicionar-se a seus pés, com a ternura e a graciosidade de outros tempos. Poisara agora gentilmente no ombro dela, fitando-a com uma profunda tristeza no olhar. De mansinho, arrulhou com compaixão ao ouvido dela, afagando a sua alma enlutada de mãe. De seguida, levantou voo e, em jeito de apelo, não deixando nunca de a olhar com enorme doçura, voou até ao “Jardim das Mães”, onde poisou na mão do menino que dormia no colo de sua mãe. Ela seguiu a pomba branca e entrou no “Jardim das Mães”. A pomba veio pousar de novo no ombro dela. Sentiu-se subitamente acariciada por uma enorme vaga de paz que a mergulhou numa neblina perfumada de tranquilidade espiritual.
Foi então que do firmamento se desprendeu uma vigorosa chuva de cometas e uma melodia cantada por pequenos anjos.
Compreendeu que o seu menino podia finalmente dormir o sono celestial e viver a paz eterna, porque ela tinha desapertado as amarras que o eternizavam num só lugar. Seu filho era agora um espírito com luz própria, livre de voar para onde as asas de Deus o levassem.
Texto e fotografias ("Jardim das Mães" - "Monumento às Mães", em Viseu) da Isabel Maria.
Dormir o sono celestial, perfeito...
ResponderEliminarBeijo Lisette.
Minha querida amiga Isabel
ResponderEliminarUm texto de uma dor pungente, embora algo apaziguada pela fé e pelo tempo...
A dor de perder um filho, mesmo em pensamento mais remoto é algo inimaginável e contra-natura. Essa mulher, protagonista do seu texto e de tantas histórias comuns, soube encontrar alguma paz...corajosa!
Amiga, um texto que me tocou fundo e confesso que fiquei sem grandes palavras. Vivenciei uma situação destas ao lado de uma amiga e ainda hoje dá-me um nó quando a ouço falar do filho...ele ainda está bem vivo entre nós e acho que assim continuará.
Resta-me desejar que a todas as mães que passam por isto, lhes surja uma pomba branca que as faça compreender que o filho jamais foi perdido, pois todos os momentos vividos em comum, jamais deixarão de existir...assim como o filho que dos seus ventres saíu.
Um abraço enorme do tamanho deste sentimento que é ser mãe
Querida Lisete:
ResponderEliminarSei como foi penoso para si ler este registo.
As minhas orações passaram a incluir, desde que tive o primeiro contacto consigo, um outro anjo: Alessandra Andreolla Feijó. Porque os anjos, apesar de caminharem de mão dada com Deus, também precisam que este torne suaves os escolhos do seu caminho.
Um grande, grande, grande abraço para si.
Como sempre nas suas histórias sinto a transmissão de uma mensagem de paz! faz-me bem lê-la...
ResponderEliminarBjs
Não vi essa estátua tão bela... e, no entanto, devo ter andado por tão perto!
ResponderEliminarHino a uma mãe despedaçada, este seu texto intenso :(
Um beijo
Muito comovente. Num jardim de paz.
ResponderEliminarBeijos
Como mãe, fiquei presa ao seu texto e o nó que senti no peito foi por me ter lembrado de todoas as mães que conheço e que passam por essa dor; digo passo, porque, por mais que os anos corram, a dor continua, uma dor que se vai atenuando com a aceitação, mas que ali permanecerá para sempre. Um grande beijinho, Isabel e parabéns pelo lindo texto. Uma boa semana e até breve
ResponderEliminarEmília
Gostei muito....porque sim!
ResponderEliminarTalvez... que quem é portador de fé, seja capaz de "lidar" e aceitar melhor as situações de perda! Mas para mim, apenas vejo um jardim de pedra!
Talvez.
Abraço e uma excelente semana.
Querida Célia:
ResponderEliminarSer mãe é a mais nobre tarefa de uma mulher e ter um filho é uma dádiva de Deus que faz de nós seres privilegiados. Perder essa dádiva de Deus constitui uma dor que transpõe as fronteiras do imaginável e que está muito para além delas. Quanta força e coragem não é necessário ter, para aceitar essa perda, para se resignar na dor do sofrimento e da amputação da alma e do coração? É que há uma parte da Mãe que também parte no caixão com o filho.
Um abraço do tamanho da inteligência que a Célia coloca na análise destas questões.
Querida Lilás:
ResponderEliminarSempre obrigada pelo seu apoio e generosidade.
Beijo.
Querida C:
ResponderEliminarÉ uma grande verdade. É preciso ser muito forte para ter um filho e formá-lo de forma equilibrada e harmoniosa, e é preciso muita coragem para conseguir aguentar a dor de o perder.
Um grande abraço para si.
Querida F.C.:
ResponderEliminarSensibiliza-me sempre a sua presença serena e gentil.
Um abraço.
Querida Fá Menor:
ResponderEliminarObrigada pela visita. Espero-a sempre.
Beijo.
Querida Emília:
ResponderEliminarQuantas mães existem por aí com a alma amortalhada? São "Mães-Coragem", porque, melhor ou pior, aprendem a viver com resignação num mar de sofrimento atroz.
Obrigada, minha Querida, pelo seu contributo crítico, sempre tão oportuno e rico.
Um abraço com toda a minha amizade.
Olá, Álvaro!
ResponderEliminarCompreendo as suas palavras, mas eu vejo mais do que uma estátua de pedra. Sou Mãe.
Um abraço.
Querida Isabel
ResponderEliminarPenso que não há dor maior do que uma mãe perder um filho.À saudade junta-se o sentimento atroz de que os pais não deveriam sobreviver aos filhos, é contra-natura, e também a enorme dor frente à injustiça que é ver o desaparecimento de uma vida que ainda nem começou, propriamente, a dar os primeiros passos...Quando se encontra um lenitivo para isso, seja na fé,na espiritualidade ou em todas os recantos onde o nosso coração possa encontrar forças, já é uma graça...Também é uma forma de vislumbrar na partida de um filho algo mais do que a sua forma terrena.
Beijos.
Olinda
Minha querida amiga
ResponderEliminarA questão que coloca tb é uma questão para mim... à qual, jamais ansiarei ter resposta. Devolver-lhe este comentário já me faz chorar...sou um vale de lágrimas principalmente qd se tratam de situações desta natureza! só ao tentar imaginar o sofrimento...
Julgo não existir maior sofrimento que perder um filho... o sentimento que fica, não sei se poderemos chamar-lhe de resignação...talvez seja uma negociação imposta pelo destino, do tipo "fica e sobrevive o melhor que puderes"! Alguns casos, felizmente existem outros filhos...e aí transforma-se em coragem, fé e vida.
Um abraço do tamanho da sua fé
Querida amiga
ResponderEliminarObrigada pelo seu apoio. Pois como eu sempre digo.
Com a sua presença,
Eu posso ir sempre mais além,
mas com sua ausência,
eu não serei ninguém.
Tem um selinho para você no meu cantinho
Que eu fiz com muito carinho.
Pode ir lá pegar se desejar.
Abraço muito Amigo
Maria Alice
Querida amiga
ResponderEliminarObrigada pelo seu apoio. Pois como eu sempre digo.
Com a sua presença,
Eu posso ir sempre mais além,
mas com sua ausência,
eu não serei ninguém.
Tem um selinho para você no meu cantinho
Que eu fiz com muito carinho.
Pode ir lá pegar se desejar.
Abraço muito Amigo
Maria Alice
Isabel Maria
ResponderEliminarNatural, no Ordem da Vida, será a dos progenitores partirem adiante.
Porém, o Destino que nos foi (é) reservado não pertence ao nosso domínio.
Perder um ente querido é sempre pungente.
Perder um(a) pequenino(a) é de extrema dureza.
Acontecem passagens na Vida que não sabemos explicar, mas acontecem.
Este teu texto relata uma delas (possíveis) que aplaca as Almas e dá conforto e confiança ás Mães quando sofrem tal perda; mostra-lhes a Confiança, desperta-lhes o Espírito para o que nos está reservado, a cada um de nós, que não será a perda e o abandono: antes a continuação da Vida plena de Luz.
Muito bom o teu Texto.
SOL da Esteva
http://acordarsonhando.blogspot.com/
Querida Olinda:
ResponderEliminarNão será por acaso que a perda de um filho é considerada "a maior dor do mundo".
Um grande abraço.
Querida Célia:
ResponderEliminarEu também, ao pensar nisso, choro profundamente.
A Célia tocou num ponto fulcral: uma mãe que perde um filho, não mais vive. Passa a ser uma sobrevivente.
Que Deus ilumine sempre essas mães, porque vão precisar sempre de toda a ajuda dos céus.
Um abraço do tamanho da coragem que essas mães precisam ter para sobreviver.
Olá, Sol da Esteva:
ResponderEliminarImagino que seja de facto um sofrimento brutal, atroz, inqualificável. Aquele sofrimento que nenhuma palavra é suficiente para descrever. Sobreviver a um filho, é carregar uma cruz de chumbo para o resto da vida. Peço a Deus que dê sempre a mão a esses pais e a essas mães.
Um grande abraço e obrigada pela sua visita e pelas suas palavras.
Eu esqueci de dizer referente a sua postagem
ResponderEliminarsinto me incapaz de dizer qualquer coisa nesse momento.
Ainda ontem fiz uma postagem referente a perda de filho.
Um amigo poeta e blogueiro perdeu o filho com 16 anos num acidente.
Estou chocada diante do sofrimento dessa familia.
Agora imagino como sera a vida dessa familia.
E dr sem limites sem medidas beijos,Evanir
Olá Isabel
ResponderEliminarJá me ri com a sua dúvida...eu realmente não me expliquei bem...lol
O que queria dizer era que os comentários normalmente estão guardados por um link, o que não acontece nos posts...Concluindo, não se preocupe que não tem defeito nehum no seu blogue, minha amiga :)
Um abraço do tamanho da minha parvoíce...lololololol
O pequeno trecho, de "O Profeta", já nos
ResponderEliminarprepara, para o que o que logo vem. Belo e comovente texto. Perder uma mãe, é muito doloroso, perder um filho é inimaginável.
Há poucos dias, uma colega de trabalho,
amamentava (imprudentemente) o filho de 3
messes, no banco da frente do carro que o
marido(pai) dirigia, quando uma luz de um
carro, contrário, ofuscou sua visão, fazendo-o
perder a o controle da direção. Apenas o bebê faleceu. Era o primeiro filho, de uma gravidez difícil. Nada consola, só o tempo, pode aliviar o sofrimento...e uma atitude semelhante à da jovem mãe do seu texto, ao enfrentar "os fantasmas"...
Muito bem estrturado, esse texto tão real.
Beijinhos, querida amiga
Ao Lê-la senti um arrepio!!! Uma história que fala de fé, amor e liberdade!!! Como sempre fechada com chave de ouro!!! Isabel, você tem o condão de comover para além de surpreender!!! A morte de um filho? Sabe a minha opinião acerca disso...
ResponderEliminarMuitos beijinhos
Querida Evanir:
ResponderEliminarÉ de facto uma realidade que nos deixa sem palavras.
Um abraço e obrigada pelo carinho.
Querida Célia:
ResponderEliminarNão! Eu é que peço desculpa por não ter entendido.
Um abraço que, já se sabe, nunca é pequeno.
Querida obrigada por seu carinho, beijo no coraçáo, Lisette.
ResponderEliminarQuerida Evanir:
ResponderEliminarÉ dor sem fronteiras, dor sem limites, padecimento até ao fim.
Um abraço muito apertado.
Querida Lúcia:
ResponderEliminarUm autêntico drama esse que contou. Deus ajude sempre quem perde alguém.
Um grande abrtaço.
Querida Pedras Nuas:
ResponderEliminarObrigada pela visita e pelas palavras.
Um abraço com toda a minha amizade.
Querida Lisete:
ResponderEliminarTambém um grande abraço para si.
Minha querida Isabel María: Hay dolor, belleza y esperanza en tu escrito y es que el dolor de las madres por sus hijos es infinito. Tu protagonista supo remontar el vuelo y enfrentarse con la vida y finalmente a su corazón llegó el consuelo de saber que su hijo era ya un ángel más en el cielo. Precioso.Triste y bello a la vez.
ResponderEliminarBrisas e beijos.
P.D/ Estoy contenta de volver a tu casa y encontrarme con el cariño de siempre.
Un bello texto lleno de dolor.
ResponderEliminarTe dejo mis saludos y deseo tengas un
feliz fin de semana.
un abrazo.
Minha Querida Malena:
ResponderEliminarFico feliz por me teres visitado. Fico sempre feliz com a tua visita.
Um grande abraço.
Olá, Ricardo Miñana:
ResponderEliminarObrigada pela sua visita.
Volte sempre.
Um abraço.
Um texto comovente. No caminho de volta há sempre uma possibilidade de encontrar a resposta que, em verdade, vive dentro de nós.
ResponderEliminarMuito bonito, Isabel! O que não é nenhuma novidade por aqui.
Bjs, amiga. Bons dias para você. Inté!
Isabel minha amiga querida
ResponderEliminarVim a este post porque ele foi especial para mim, quando o li...
Eu já tinha muitas saudades suas tb e isto deixa-me a pensar se será salutar sentir amizade tão grande por alguém que mal conhecemos??? não se ria...eu sei que parece ridiculo, mas não posso deixar de o dizer, principalmente porque estamos numa dimensão virtual...lol
Li os seus coments todos e vi aquele em que "delira" sobre a a idade...permita-me que lhe diga para ter juizo...lolol.
Já tem idade para isso...lololol
Meio século + 1 é a idade au point para sentir-se ainda mais jovem...:)
Sabe que sem querer começamos a pensar que idade têm as pessoas por estes espaços???!!! e juro-lhe que tinha pensado que teria aproximadamente a minha (na casa dos 40..lol) talvez pela afinidade, embora isso não seja condicionante de nada, como se sabe! A mim não me preocupa a idade em termos numéricos, mas sim a possível falta de capacidades e aí procuro contrariar...de tal forma que me sinto bem comigo mesma e esqueço o factor idade...lolol
Quanto ao resto, responderei no meu último post, senão isto vira testamento :)
Adorei tê-la de volta e por favor nunca desapareça da minha visão...ok, está prometido lol
Hoje dou-lhe um beijo de saudade
Isabel, esqueci de perguntar: fez anos hoje?
ResponderEliminarMesmo que não tenha feito, envio-lhe os meus parabéns pelos que já tem e pela jovialidade que demosntra nas palavras :)
Além da serenidade que passa para cá..lol
Abraço do tamanho da amizade
Isabel
ResponderEliminarPassei porque senti saudades.
Vi um texto belo e para mim belo o seu amor aos Anjos que eu venero e me acompanham porque lhes peço sempre protecção e sinto-os perto de mim.
Amor de Mãe não tem medida é Infinito.
Beijos
Comovente, porém, um lindo texto. Bom caminhar mentalmente pelas ruas e jardins de Viseu rumo a liberdade.
ResponderEliminarBeijo