Estava concentrada no seu posicionamento junto à parede interior da piscina, já que a sua partida iria ter lugar dentro da água.
Puxou o corpo contra a parede, ao mesmo tempo que empurrou a borda com os pés, de molde a que o corpo se elevasse e os quadris saíssem da água.
Dado o tiro de partida, mergulhou para trás.
Nesta modalidade de crawl de costas, ela girava alternadamente os braços como autênticas hélices, efectuando vários batimentos de pernas durante um ciclo de braçadas completo.
Logo nos primeiros metros da sua progressão dentro da água, reparou que entre a numerosa assistência da competição, se encontrava de novo aquele menino com caracóis castanhos e olhos de um azul ultramarino, sorrindo para ela, e gritando: “Força, Mamã! Força!”
Assim que os olhos dela se fundiram nos dele e a luminosidade do olhar dele penetrou na alma dela, a adrenalina da nadadora atingiu o seu ponto máximo e ela começou a nadar desenfreadamente até chegar ao fim da prova.
O crawl de costas era o seu estilo de natação preferido, e nele ela era exímia, coordenando na perfeição os movimentos propulsores dos braços e das pernas, embora também fosse uma boa nadadora de crawl, bruços, mariposa, e da modalidade que reunia estes 4 estilos: Medley.
Volvidos os primeiros 50 metros , a nadadora, para fazer a viragem, executou uma cambalhota de costas, seguida de uma rotação do corpo que a colocou novamente na posição dorsal.
Foi como um autêntico furacão dentro da água que nadou os restantes 450 metros da competição.
Uma vez mais, conquistou a primeira posição, com grande vantagem em relação a todas as suas adversárias.
Indubitavelmente, a presença do filho na assistência dava-lhe enorme alento e determinação para vencer.
Terminada a prova, a nadadora olhou ansiosamente para o público, à procura do seu menino, como sempre fazia, embora soubesse de antemão que, nessa altura, ele já nunca lá se encontrava. Como sempre, também desta vez ele estivera presente durante o tempo em que sua mãe percorrera os 500 metros e, finda a prova, desaparecera. Gostava de permanecer nas bancadas o tempo necessário para lhe dar força e a ver vencer, e depois, desaparecia. Tinha sido sempre assim.
Ao sair da água, a nadadora, sabedora que seu marido viria, como habitualmente, felicitá-la antes da cerimónia protocolar da entrega de medalhas, decidiu que, desta feita, não lhe iria contar que, durante a competição, seu filho estivera na assistência a transmitir-lhe coragem. Mortificava-a pensar que, de todas as vezes que, num êxtase sem par, contara ao marido que o filho lá tinha estado, ele, abraçando-a pela cintura, lhe dizia com o tom de voz meigo que o caracterizava:
- Meu Amor: O que nós sentimos e sentiremos sempre, é uma dor inigualável. A perda de um filho é um drama irreparável, mas tens de começar a interiorizar que o nosso filho já não pode estar aqui, entre nós. Não nos podemos agarrar à temerária ilusão de que ele está na assistência… Tens de aceitar que o nosso menino partiu para junto de Deus e, nos céus, dar-te-á sempre muita força.
De cada vez que o marido lhe arremessava à cara a cruel realidade da morte do seu menino, ela sentia o sangue gelar-lhe nas veias e tinha a sensação de que estava a ser lançada contra um iceberg, com o coração a partir-se em mil pedaços. Por isso, desabava irremediavelmente num pranto de vencida. Por que razão seu marido insistia em a desapossar da doce ilusão de que seu filho continuava a assistir na bancada às suas vitórias e a dar-lhe o alento de que ela necessitava? Teria seu marido o direito de fazer abortar a réstia de felicidade de uma mãe que continua a receber forças do seu filho de cada vez que entra numa competição desportiva? Que mal há em ter a ilusão de que ele continua lá? Não é esta alucinação de mãe, legítima? Ela sabia perfeitamente que o marido achava que esta sua visão era um sintoma de loucura. Por isso, nesse dia, decidiu que, doravante, não mais lhe contaria que, durante a prova, tinha visto o seu menino com caracóis castanhos e olhos de um azul ultramarino, entre o público, a dar-lhe a maior força do mundo. Ele jamais acreditaria.
Antes da cerimónia protocolar da entrega de medalhas, o marido abeirou-se dela e deu-lhe um prolongado beijo, dizendo-lhe, como sempre lhe dizia, que estava muito orgulhoso dela. Depois, encostando-lhe os lábios ao ouvido, perguntou-lhe:
- Hoje também viste o nosso menino?
Teve de resistir para não deixar cair as suas forças e a sua determinação, para não desabar num pranto e não sucumbir à tentação de, uma vez mais, lhe contar a verdade - sim, o seu menino tinha lá estado -, mas prometera a si mesma que não daria azo a que seu marido, uma vez mais, a olhasse com o sorriso de compaixão que se oferece a alguém que está irremediavelmente à deriva na sua loucura.
Cerrando os dentes, respondeu-lhe:
- Não, hoje o nosso menino não estava lá.
O marido sorriu, já não com o mesmo sorriso de compaixão, mas com um sorriso cheio de felicidade. Foi, então, que ele lhe segredou:
- Minha Querida, como é que não o viste?! Eu vi-o! Ele esteve lá o tempo todo, a gritar “Força, Mamã! Força!”, e só se foi embora quando se certificou de que, uma vez mais, tinhas chegado em 1º lugar.
Texto e foto: Isabel Maria.
Se eu fosse da área da CF diria que está descrito primorosamente aquilo que chamam de :Folie à deux!
ResponderEliminarComo sou um "escrevinhador" digo apenas que é um texto belíssimo e ... comovente!
Um Abraço
Querida Isabel Maria,
ResponderEliminarOs laços do amor são eternos
A sua dimensão é do foro divino e escapa ao olhar enganador dos sentidos!
Grande beijinho
Linda e emocionante história Isabel Maria,comovente e terna,repleta de amor e esperança...um incentivo de um filho e a emoção de sua mãe...e a constatação de um pai,antes descrente,da presença do filho.
ResponderEliminarEscreves muito bem,amiga,li várias de suas postagens e fiquei encantada.
Gostei imensamente de te ver em meu/nosso espaço.
Obrigada.Bjssssss,
Leninha
Olá, Álvaro!
ResponderEliminarObrigada pelo seu olhar sempre atento e pelos seus comentários esclarecidos.
Um abraço e um bom resto de domingo, apesar de já não faltar muito para acabar o dia.
Querido Petrus:
ResponderEliminarO laço de amor que une uma mãe a um filho não se desfaz nunca. É irremediavelmente eterno, quer no Céu, quer na Terra.
Um grande abraço.
Querida Leninha:
ResponderEliminarObrigada por teres vindo visitar-me e pela tua ternura.
Um abraço muito apertado.
Minha querida Isabel
ResponderEliminarO teu conto é fabuloso, e causou-me arrepios.
Tudo que mete crianças (ainda mais encontrando-se já num outro plano) mexe muito comigo.
Os elos mãe/filho não se quebram nem mesmo com a morte de permeio.
E o milagre que acontecia à mãe, acabou por tocar também o pai.
Impressionou-me muito! No bom sentido, claro...
(e tu escreves duma forma belíssima!)
Um bom restinho de domingo e feliz semana. Beijinhos
Querida Mariazita:
ResponderEliminarO amor de mãe é incomparável e a partida do filho apenas transporta esse amor para uma outra dimensão, onde tudo é possível. Dizem que a perda de um filho é a maior dor do mundo e eu acredito que sim. É só abordar este tema deixa-nos (a mim e a ti) profundamente tristes.
Uma boa semana para ti, minha Amiga, e um abraço com toda a minha amizade.
Isabel ,
ResponderEliminara emoção apodererou-se de mim até ás lágrimas .
Belíssimo texto .
Um abraço e boa semana
Obrigada pelo abraço, querida:), e uma feliz noite das bruxas...:)))
ResponderEliminarHappy Halloween!
Beijinho GRANDE
Querida Lilazdavioleta:
ResponderEliminarNão há palavras que descrevam a dor da morte de um filho.
Obrigada pelas suas palavras.
Um abraço e boa semana.
Querida Mariazita:
ResponderEliminarObrigada e uma boa noite de bruxas também para ti.
Outro abraço.
Querida Isabel
ResponderEliminarComo sempre os seus textos convocam os melhores sentimentos que há em nós. A perda de um filho é terrível e para uma mãe ele viverá para sempre, é verdade.Eu penso que qualquer que seja a situação ele estará presente, não só pela saudade mas também pelo que poderá trazer de consolo. O final do conto desfaz o mito um pouco aceite, normalmente, de que o pai será menos sensível a estas sensibilidades da alma...
Beijos e bom feriado.
Olinda
Minha Querida Olinda:
ResponderEliminarÉ uma dor que nos esmaga e a simples imaginação desse acontecimento é completamente avassaladora para a alma humana.
Sei que atambém sentes assim.
Um grande abraço para ti, minha Amiga, e um bom feriado.
Oi Isabel!
ResponderEliminarBelo conto, um irreal-real.Esse menino encontrava-se na bancada, está sempre presente , vai subir aquando a mãe.
É a companhia dele , é a força que a faz caminhar.
Há uma mae ,que se entretem sentada à mesa da cosinha olhando a porta, porque a filha vai entrar e assim se sustem ,sempre à espera,são defesas que criam perante tão profundo golpe, é uma ilusão vivem como realidade fosse.
Parabéns embora triste, retrata muitas nadadoras neste País!
Até breve
Herminia
Lindo, comovente e muito bem narrado como a nadadora campeã nas sua braçadas impecáveis...E quem disse que o menino de caracóis e olhos de um azul ultramarino...não estava lá mesmo? De vez em quando, os anjos descem à terra, como sempre aconteceu há milhares de anos...e só os vêem quem tem muito amor no coração!
ResponderEliminarBelissimo, Isabel!
Beijo
Graça
Isabel, belíssimo e comovente texto, extraordináriamente bem escrito! emocionei-me a a lágrimita rolou...
ResponderEliminarBjs
Querida amiga Isabel
ResponderEliminarum texto extremamente comovente e bem contado, tanto que nos toca demais. Li-o hoje de tarde e não consegui comentar logo...fiquei com um nó na garganta.
O Álvaro diz que eu diria que seria uma "folie à deux" mas acho que, neste caso, a presença do filho permitia-lhe manter a sanidade mental a esta mãe, para além de constituir um estimulo positivo. Poderão ser estratégias não padronizadas de se fazer o luto.
Um abraço do tamanho do seu talento para estes contos
Querida Hermínia:
ResponderEliminarA perda de um filho é a dor das dores, ou a rainha das dores. É uma dor que gera sucessivas ondas de dor. Para sempre. Incomensurável.
Um abraço.
Querida Graça:
ResponderEliminarTens razão. Os anjos, por vezes, descem à Terra, e andam entre nós, mesmo quando não os vemos.
Um abraço.
Querida Lilás:
ResponderEliminarMuito obrigada pela sua leitura atenta e pelas palavras simpáticas.
Um beijo.
Querida Célia:
ResponderEliminarMuito obrigada pelo seu contributo crítico. A sua opinião é sempre uma mais-valia.
Talvez esta seja efectivamente uma forma de gerir o adeus para sempre. Ou de negar o adeus para sempre... E talvez seja uma forma saudável de o fazer. Uma forma possível de gerir aquilo que chega a parecer impossível de gerir, pois quando o céu desaba sobre nós, nada resta... Apenas ... a saudade.
Um abraço do tamanho da força que peço a Deus para todas as Mães com a alma de luto.
Olha, foi a coisa mais linda e enternecedora que já li nos últimos tempos. A perda de um filho, a iusão da sua presença... dando força...a incompreensão do mardo...querendo-a chamar á realidade...mas por fim também ele percebeu que era melhor para ambos conservarem essa ilusão pois é ela que, muitas vezes, nos permite fazer "mover a vida para frente"!
ResponderEliminarUma ternura.
Parabéns
Querida Isabel
ResponderEliminarVenho aqui deixar-te beijinhos e votos de bom resto domingo. Agradeço-te as palavras tão bonitas que me dedicas aqui no teu comentário.
Adorei.
Beijinhos
Olinda
Amiga Isabel que história maravilhosa. A força do amor por um filho é inquebrável, sem limites, ela consegue transformar uma ilusão num meio de sobrevivência, permitindo assim a continuação da caminhada pela vida.
ResponderEliminarBom domingo
Beijinhos
Maria
Olá, Blueshell:
ResponderEliminarBem haja pelas suas palavras.
Tem toda a razão. Por vezes, a ilusão é a única alavanca que resta para manter o equilíbrio nesta vida.
Um forte abraço.
Querida Olinda:
ResponderEliminarUm beijinho também para ti e obrigada pelo teu carinho.
Amiga querida,vim reler o teu conto e encantar-me com tua ternura.
ResponderEliminarBjssss carinhosos,Isabel.
Tua amiga,
Leninha
Querida Leninha:
ResponderEliminarSempre tão simpática e carinhosa comigo! Muito obrigada.
Beijocas.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarQuerida Isabel, estive "reclusa" por alguns dias e só saí para meus passeios costumeiros. O motivo de minha ausência está em um P.S. de minha última postagem,no domingo passado.
ResponderEliminarComovente e belíssimo,o seu texto. As lembranças, são mesmo assim, parecem reais, quando o amor as envolvem.
Bom domingo!
Beijinhos,
da lúcia
Querida Lúcia:
ResponderEliminarIrei ao seu blog já de seguida.
Beijo.