sábado, 25 de dezembro de 2010

"O POETA"

O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.

A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.

Quando,
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a palavra de areai.

Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.

Com raiva,
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
cada palavra é um vidro em que se corta.

O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.

Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.

Mia Couto, "idades cidades divindades" - Editorial Caminho 2007 - ps 117 e 118.

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